quarta-feira, 18 de abril de 2012

CARTA DE ELCIO XAVIER

Coluna livre de DELTON DE MATTOS

QUILÔMETROS DE LIVROS

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"Rio.30.7.94. Meu prezado amigo Delton.

Nesta tarde sonolenta e triste deste último sábado de julho, cercado por pesado silêncio, revia papéis no meu arquivo quando deparei com seu inspirado artigo "Quando a lua ainda existia..." publicado no "Norte Fluminense".

Inapelavelmente voltei aos primeiros anos de minha vida para reencontrar nossa Serra do Tardin.

Revi-me menino de oito anos diante de minha casa muito branca, que assumia um tênue e belo azul quando as águas da chuva lavavam suas paredes.

Cavalguei célere, pelos pastos de longos horizontes meu dócil corcel trotão, Ventania, ora pastoreando o gado, ora cumprindo tarefas domésticas até a venda do sr. Dão, no pé da Serra.

Revivi os banhos nas cachoeiras e açudes do nosso valão, o futebol do negro Fulô e as aventuras plenas de pureza e alegria, junto aos quase irmãos da família Furtado, filhos de Dona Eufrázia, santa mulher; e os bailes na escola pública da Cachoeira, ao som da velha sanfona, onde jamais pude vencer a timidez que me impediu de aproximar das meninas do nosso pequeno e imorredouro mundo juvenil.

Nossos lugares eram extraordinariamente belos e graças ao Senhor ainda ilumina as nossas noites.

Passado o enlevo da longínqua juventude, responsável pelo lirismo que nos encheu a alma de perfumes e cores, desçamos no presente.

Vale aqui reiterar minha calorosa felicitação por sues atuais artigos no "Norte Fluminense", como já o fizera por telefone. Lamento apenas que não tivesse obtido o registro de sua candidatura, posto que já cabalava bons votos na minha aldeia, que é numerosa, para o amigo. Perde Bom Jesus e perde o Brasil, neste período tão crítico de nosso legislativo, um parlamentar culto e competente, alicerçado em ilibado caráter.

Seria gostos encontrá-lo agora em Bom Jesus, para matarmos saudades. Entretanto, estou de viagem marcada para Goiás na próxima semana. Sobre a Festa de Agosto, que poderia ser um elemento aglutinador para mim, não me atrai e posso lhe assegurar que me causou profunda decepção quando lá estive há dois anos.

Bom Jesus de hoje perdeu seu encanto e sua poesia: o Itabapoana está moribundo, a bela ponte é um monstrengo, o Calvário favelizou-se, a praça (nossa praça) é um terreiro de cimento, a majestosa igreja matriz está gradeada como fortaleza onde o cristão só penetra com hora marcada...

Nossa terra, meu caro amigo, perdeu suas tradições, o encanto e as luas do nosso passado. Teríamos condições de revivê-los?

Receba o afetuoso abraço deste seu velho amigo Elcio
".

NOTA - Nunca é demais lembrar: Elcio Xavier é um primoroso poeta, um dos mais puros e refinados que este país já produziu. Se não tivesse deixado de escrever tão cedo, logo depois da publicação do seu notável livro "O Véu da Manhã", com toda certeza teria sido um dos nomes mais festejados da chamada "Geração de 45", ao lado, até com vantagem de um Geir Campos, Ledo Ivo e João Cabral de Mello Neto, dentre outros.

Que posso eu dizer de sua linda carta, que tanto me honra? Revejo-me em cada uma de suas linhas, na infância e na juventude.

Quando fala do seu corcel "Ventania". traz-me imediatamente o meu fogoso "Monarca". Companheiro das madrugadas em busca do Rio Branco, e quando se vê nos bailes da escola pública de Cachoeira, que eu tanto frequentei, relembro-me ali, também solitário, porém soberbo, envergando pela primeira vez o uniforme branco de botões dourados, costurado habilmente pelas mãos maternas.

Relembro também as lindas irmãs Furtado, queridas colegas minhas, que já se foram deste mundo... Não sei como retribuir ao Elcio o brinde dessas emoções.

Em todo caso, reproduzo abaixo o seu belíssimo poema "Pobre Jardim de Aldeia", que tive a satisfação de publicar em maio de 1950, às págs. 18 e 19, do no. 3 da revista ALLIANCE, por mim dirigida em São Paulo,além do mais com uma belíssima ilustração de Geraldo de Barros, mais tarde festejado pintor da Paulicéia, com vitoriosa exposição até em Paris:

POBRE JARDIM DA ALDEIA

Pobre jardim da aldeia
onde deixei meus oito anos
junto ao chafariz de trevos:
leva-me ao teu grande mar
neste solitário fenecer!
Quero rever o castelo marinho,
a tempestade, o primeiro encontro,
as rosas-fadas que me amaram
e as queixas dominicais
de tuas sombras frescas.
Falta-me o azul de tuas tardes
e sinto que não verei o luar.
Não encontro meu sangue
nas lutas que partem da noite,
Não tenho memória dos tempos
nem vejo meu rosto na lagoa.
O mundo sucumbirá num suspiro
se minha infância não regressar.

(Artigo publicado na edição de 04 de setembro de 1994)

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