sexta-feira, 10 de abril de 2015

A diferença que engendra o ódio (nova crônica de Tarcísio Borges)




Tarcísio Borges




Buscando estimular o crescimento, tentando encontrar valores e talentos, algumas atividades específicas são desenvolvidas – por exemplo, o incentivo da escrita. Novos amigos vão surgindo no ambiente. Pessoas com espírito, sensibilidade estética e análise crítica. Gente que faz poesia. Aconteceu em março tal encontro de valores numa oficina com alunos de escolas públicas no noroeste da província, a região mais pobre do estado, uma das áreas mais carentes do país – e feudo, e burgo, e curral –, atualmente no último estágio do desenvolvimento agropecuário – isto é: desertificação.
O que mais dizer, além do previsto, a pessoas tão especiais? Será melhor fazer advertências ou sugestões?
“Filósofos e escritores falaram de você. Singular e capaz. Traz a diferença que engendra o ódio. É do noroeste, e vizinha de Reykjavik. Olha o riacho, e imagina o Ganges. Siga em frente sem apoio. Faça sua carreira lá longe, graduação, mestrado, doutorado, pós-doutorado. Não permaneça nem retorne. Parte da aristocracia rural – dona de uns terrenos e umas vacas – não lhe perdoará a capacidade luminosa, e, por conseguinte, a redução do brilho fosco de tais senhores, Ancien Régime. Mas como? Gente pobre não pode estudar! Isso é para os filhos de ricos. Você foi feita para limpar o chão. Não pode passar de auxiliar de qualquer coisa, ou geral. Até os seus parentes tentarão impedir (uns mais que outros). Talvez seu pai se lhe oponha: ele pode ter sucumbido, preferindo viver sem plenitude. Os aristocratas falarão mal de você na graduação. Na pós-graduação, mandarão aquele rapaz da antiga capital lhe declarar guerra. Não gosto de você! Bajuladora! Não importa se você nunca conversou com o rapaz. Ele também é pobre, e não sabe que o usam. No mundo sem porteiras, não adianta ir trabalhar lá bem longe. Arranjarão meio de fazer chegar até lá a maledicência. Falarão mal de você no exterior, aos seus amigos lá de longe – gente que você lhes apresentou. Perceba que lhes darão vivência no preconceito, a experiência ruim da separação. Portanto, retire da sua alma todos os vestígios preconceituosos adquiridos do ambiente, retornando ao padrão da criança. E jamais trate alguém desse modo desagregador. Com sua bondade, talvez agradeça aos perseguidores tantas calúnias e injúrias. Isso é nobre. Mas, por favor, não perca a capacidade de indignação. Mantenha elevado senso de justiça. Não esmoreça. Vá anotando. Talvez deva agradecer tanto material literário fornecido, muito obrigado. Coisa é certa: jamais compreenderão sua capacidade de viver com pouco, morar num cubículo, não ter carro nem imóveis, mudar com regularidade, viajar com frequência, conversar com todos, parar na rua para ver o artista. Você é louca! – dirão. Faça o bem com bastante discrição ou também será condenada, cutiladas, pernas quebradas. Tente viver entre os seus iguais. Cuidado com os assemelhados, pois lhe terão inveja, e fazem muito ruído. (Os aristocratas são insidiosos como o câncer). Garanta sua estabilidade num concurso. Aprenda a viver sozinha”.
Não! Será melhor não fazer advertências ou sugestões. Não direi nada.


Tarcísio Borges, nascido em Bom Jesus do Itabapoana (RJ), é médico e escritor

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