terça-feira, 2 de junho de 2015

De Pais Para Filhos



Ana Maria Silveira




          Nessa ocasião, Boanerges Borges da Silveira residia no centro do município de Bom Jesus do Itabapoana. Encontrava-se do lado de dentro da sua residência, junto à janela, calado, aparentemente sem reação diante das ofensas verbais que um mau cidadão do lado de fora, na rua, lhe dirigia, resultado de uma intriga feita por pessoa de má-fé. Seu filho Badger, ouvindo a gritaria, foi até à sala e pôde ouvir os insultos dirigidos ao seu pai.

      Badger entrou como um relâmpago e voltou, com uma garrucha armada, gritando mais alto que o agressor:
-Você vai ver quem é vaca malhada!

        Boanerges, tranquilamente, afastou Badger:
  - Não faça isso, meu filho! Você estragou tudo! Estava esperando que ele estivesse ao meu alcance. Então lhe acertaria este ovo na cara! Ficaria desmoralizado!  

       Quando esta história me foi contada eu tinha 15 anos, a idade de meu pai nessa época.

         Do mesmo modo fiquei injuriada com ofensas dirigidas a ele, então governador, por um jornalista seu conhecido desde a época de estudantes, que da noite para o dia passou a publicar no seu conceituado jornal notícias falsas, inaceitáveis. Essas ofensas continuaram, mesmo tendo Badger dito ao jornalista:
- Você que me conhece, sabe que sou um homem honesto, por que  publica essas inverdades?

   Hoje sabemos que, em 1964, instituições nacionais e estadunidenses -muito bem descritas no livro “1964 A CONQUISTA DO ESTADO” de René Armand Dreiffuss – incentivavam ou induziam alguns maus políticos e jornalistas para que denegrissem os governos eleitos democraticamente pelo povo, principalmente os aliados do Presidente João Goulart, distorcendo a realidade no  preparo  do golpe civil-militar. 

       Havia jornais por si só desacreditados, como “A Luta Democrática” e a “Tribuna da Imprensa”. Destes tudo se esperava. Mas a virada brusca e caluniosa do principal jornal de Niterói contra a atuação política séria de Badger nos foi decepcionante. Esse caluniador nunca teve ideia da dimensão da amargura que nos trouxe.

    Badger sempre nos falava da grandeza humanitária de Boanerges, da sabedoria imensa que tinha em viver feliz,  amando e respeitando sinceramente todos ao seu redor, sempre lutando pela igualdade social.  

     Muitos anos mais tarde, estávamos em um casamento, numa igreja Católica, quando se aproximou um senhor muito formal e veio falar com meu pai. Minha mãe, percebendo quem era, afastou-se.

         Fiquei atenta na conversa dos dois, que por se encontrarem em uma cerimônia, falavam muito baixo. Consegui ouvir:
-Badger, você me compreende, eu estava com dificuldades.
 -Tudo bem, não precisa se justificar, não guardo mágoa de ninguém.  

        E em tom de brincadeira perguntou: 
-Mas você não acreditava nas coisas horríveis que publicou contra mim. Ou acreditava?  
-Claro que não, Badger!
-Ah! Então está tudo certo. Com o tempo as verdades aparecem!

       E apareceram. Sentimos orgulho em dizer que Badger, após deposto pelo golpe de 64, foi submetido a três inquéritos policiais militares.  Teve sua vida pública e privada investigadas minuciosamente sem que absolutamente nada o desabonasse. Foi o único ex-governador não exonerado, pois não conseguiram nem uma única prova contra a idoneidade do seu mandato.

      Falo sempre aos meus filhos, sobrinhos e neta da grandeza   humanitária de Badger, da sabedoria imensa que tinha em viver feliz, amando e respeitando sinceramente todos ao seu redor, sempre lutando pela igualdade social, como meu avô Boanerges.  Eles tinham o dom natural de saber perdoar. Para mim, o gesto mais difícil e emblemático do cristianismo.



                                                       (02/06/2015)
 



Ana Maria Silveira é filha do ex-governador Badger Silveira










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