quinta-feira, 23 de julho de 2015

Escritor sem história






Gustavo Souza


                  O relógio marcava 4:50am, Alan permanecia ali, sentando, fumando seu último charuto cubano e olhando fixo para a tela do computador. Falava para si mesmo - Só preciso começar. Qualquer palavra. Qualquer coisa. Uma hora a ideia aparece. - Baforou uma enorme quantidade de fumaça e continuou ali, parado.
            Àquela altura do campeonato pedir calma não ajudaria. Alan é um famoso escritor de um tradicional jornal da sua cidade. Escreveu muitas histórias durante anos e anos. Mas com o tempo foi perdendo o brilho e o talento. A crise financeira estava varrendo todo mundo. Ele sabia que mais cedo ou mais tarde seria o próximo a dizer adeus. Não era hora de vacilar. A idade não permitia isso. Tinha que entregar a sua história às 6 da manhã para ser aprovada às 6:10, revisada às 6:20, aprovada de novo às 6:30,  enviada para os publicadores às 6:40, revisada na tela do site às 6:50 e publicada às 7 em ponto. E já era 5 horas.
             Depois de mais uma baforada escreveu sua primeira frase - Era uma vez -  logo em seguida apagou. - Começar uma história com era uma vez é desespero demais - pensou ele. A pressão estava batendo na porta. Olhou para o relógio na parede que marcava 5:10. Nem mesmo anos de experiência conseguia acalmá-lo. Seria a primeira vez em 25 anos de prestação de serviço que o seu texto não iria para o ar. E, no fundo, sabia que alguma história seria publicada às 7 horas. Sendo a sua ou não. O risco de perder o emprego para um jovem cheio de inspiração era naquele momento uma realidade. Às 5:20 já começou a pensar na história que ia contar para patroa ao chegar em casa. Mas desistiu ao cair na realidade e perceber que foi por falta de uma boa história que seria demitido e substituído.
             5:30. Começou a pensar na infância, nos amigos, na escola, faculdade, primeiro sexo, primeira bebida, primeira namorada, Natal, férias no acampamento em mil novecentos e bolinha. Nada. Tudo já tinha sido publicado antes. Não tinha mais caminho para percorrer. Àquela altura, o desespero demorou mas chegou. Entrou um nó de pensamento em que refletia porque não viveu mais. Porque não saiu com os amigos ao invés de ficar escrevendo em casa. Porque casou tão cedo. Porque não tirou 30 dias de férias ao invés de 15. Se tivesse feito isso tudo teria mais história para escrever. Queria responder os porquês da vida naquela momento. Era o último respiro pelo visto antes de começar a chorar.
             5:40. Chorou até 5:50.
             5:50. Finalmente se recompôs. Era tudo ou nada. Ficar ali chorando não adiantava. Resolveu encarar de frente o problema. Pegou o telefone, respirou fundo e it's time.
             - Alô?
             - Oi, quem fala?
             - Alan. Tô com problema. Preciso da sua ajuda.
             - De novo, Alan. Isso é hora de pedir ajuda? Quer mais uma?
             - Sim. Prometo que é última vez.
             - Ok.
             - Obrigado.
             6:00. Alan entra na sala do chefe com a sua história na mão e um sorriso de alívio no rosto.
             - Hum. Hum. Hum. Temos uma boa história. Talvez eu mudaria o título. Talvez. - disse o chefe.
             - Podemos mudar -  responde Alan com uma voz de alívio.
             - Aprovado. Entrega para o pessoal lá. Vou pensar no título aqui.
             Alan estava leve naquele momento. Tirou um prédio do ombro. Pegou o papel na mesa do chefe e foi. Estava pronto para tomar um bom café e relaxar um pouco. Ao sair da sala do chefe ouviu suas últimas palavras.
            - Escritor sem história. Escritor sem história. Deixa o título como está.
            Fechou a porta e foi.
           
            
Gustavo Souza, publicitário, 25 anos, é bonjesuense

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