quinta-feira, 12 de novembro de 2015

NOITE HISTÓRICA RESGATA GÊNIOS DA CULTURA BONJESUENSE











Ocorreu no dia 03 de outubro passado, na Câmara Municipal, um dos maiores eventos culturais da região, em comemoração à implantação da Câmara de Vereadores, que sucedeu no dia 04 de outubro de 1947, após a nossa 2ª emancipação.

A solenidade foi organizada pelo advogado Sebastião Freire Rodrigues, um dos nomes mais respeitados nossa sociedade, que promoveu o lançamento de quatro livros de gênios da literatura bonjesuense: Padre Mello, Octacílio de Aquino, Romeu Couto e Athos Fernandes, editados por Delton de Mattos, outro monstro sagrado das nossas letras.

O salão da Câmara ficou lotado para a noite histórica


Este evento histórico, marco em nossa região,  distribuiu gratuitamente 1.500 (mil e quinhentos) livros dos autores mencionados.

Na oportunidade, Sebastião Freire Rodrigues foi agraciado com a Medalha Tiradentes, a maior honraria concedida pelo estado do Rio de Janeiro, através da Assembleia Legislativa. 


Dr. Sebastião Freire Rodrigues (centro), recebeu a Medalha Tiradentes, a maior honraria concedida pelo estado do Rio de Janeiro.  À esquerda: Dra. Andreia Guimarães (representante do deputado estadual Marcus Vinícius), que entregou a honraria, Dra. Suzanyh Peres Veniali, Flavia Nunes, (filha do Dr. Sebastião). Dr. Sebastião Freire Rodrigues, Ledyr Nunes Rodrigues (esposa Dr. Sebastião) e Luciano Nunes (Presidente da Câmara Municipal de Bom Jesus)
.

O advogado Sebastião Rodrigues, quando foi procurador da Câmara de Vereadores, promoveu  tratativas para a obtenção do apoio financeiro necessário para que Delton de Mattos pudesse publicar as obras que se basearam em textos extraídos do jornal A Voz do Povo,  fundado por Osório Carneiro. Este jornal foi o repositório de alguns dos monstros sagrados da literatura bonjesuense, capitaneados por Padre Mello, o pai da cultura bonjesuense.

Equipe de "A Voz do Povo", agosto de 1939
Em primeiro plano, da dir. para a esq., José Maria Garcia, José Tarouquella, Renato Wanderley, Osório Carneiro, Padre Mello, Octacílio de Aquino e Romeu Couto. Em segundo plano, Dalton Tarouquella, "Dico", Neiva, Ernani Tarouquella, Onofre, "Totinho", Helio Garcio e Elvio Tarouquella.



Delton de Mattos realizou as ricas pesquisas no jornal, contando com o apoio de dra. Nísia Campos, redatora de A Voz do Povo.

 Marlene de Mattos, irmã de Delton de Mattos e
 Ianthes de Mattos, esposa de Delton de Mattos

 
Mil e quinhentos livros estão sendo distribuídos gratuitamente para a sociedade bonjesuense


Na noite memorável, marcaram presença o consagrado Grupo Musical Amantes da Arte e a Lira Operária Bonjesuense, conhecida como A Furiosa. 




Grupo Musical Amantes da Arte



Lira Operária Bonjesuense


O magistrado dr. Luiz Alberto Nunes da Silva discorreu sobre Octacilio de Aquino (ver discurso ao final), dra. Nísia Campos falou sobre a obra de Padre Mello, Maria Izabel Monteiro Nunes considerou sobre a obra de seu pai Athos Fernandes, dra. Suzanyh Péres Veniali referiu-se a Romeu Couto, representando Roulien Boechat, responsável pela Biblioteca Romeu Couto, de Bom Jesus do Norte (ES),  dr. Ederaldo do Carmo, que foi o autor do prefácio do livro sobre Padre Mello, esmiuçou sobre Delton de Mattos, enquanto o desembargador Antonio Izaias da Costa Abreu falou sobre a vida de  Octacílio de Aquino e sobre Delton de Mattos.


O advogado Sebastião Freire promoveu a entrega aos familiares de Delton de Mattos, de um Diploma de Mérito, como reconhecimento pelo trabalho em prol do resgate da História e Cultura de Bom Jesus.
Os vereadores também fizeram também a entrega de uma Moção de Aplausos e Louvor aos familiares de Delton de Mattos pelo seu trabalho realizado no Município de Bom Jesus e no Estado do Rio de Janeiro.
Na oportunidade, foi entregue à senhora Marlene Mattos, irmã de Delton de Mattos, cópia de uma das primeiras Atas de instalação da Câmara Municipal, ocorrido no dia 04 de outubro de 1947, onde seu pai, Mário Nunes, foi eleito pela primeira Câmara de Vereadores de Bom Jesus.


Utilizando a palavra, a esposa de Delton de Mattos,  Iantes Mattos, visivelmente emocionada, agradeceu a todos pelas homenagens que receberam.

No final da Sessão, dra. Andreia de Oliveira Pádua, advogada militante da capital do Estado, entregou ao dr. Sebastião Rodrigues o Decreto da Assembleia Legislativa (RJ) que outorgou a ele, através do deputado Marcus Vinícius, a Medalha Tiradentes, maior Honraria do Estado do Rio de Janeiro.

Pode-se dizer que a noite histórica promovida pelo dr. Sebastião Freire Rodrigues teve a grandeza evocada pela figura de Tiradentes na medalha a ele outorgada: assim como o herói nacional, com sua luta, ajudou a criar as circunstâncias para a independência de nosso país, Sebastião Freire Rodrigues promoveu nesta noite memorável um evento libertário que estabeleceu as condições para o resgate do nosso passado grandioso também na área da cultura literária.


Sebastião Freire Rodrigues


Em homenagem aos gênios bonjesuenses, O Norte Fluminense publica os seguintes textos:

"Rua Formosa", de Romeu Couto (crônica)

"Padre Mello", de Athos Fernandes (poesia)

"A Lição de Ulisses", de Octacílio de Aquino (crônica)

"Flor de Luz", de Padre Mello (poesia)

O Norte Fluminense publica, ainda, uma crônica de Delton de Mattos intitulada "Uma recomendação de Octacílio de Aquino", publicada em nosso jornal, no dia 11 de julho de 2004.

Aproveitamos, ainda, a oportunidade, para completarmos a relação dos 8 (oito) monstros sagrados da nossa literatura, incluindo textos de Elcio Xavier, Norberto Seródio Boechat e Ayrthon Borges Seródio:

"Abandono", de Elcio Xavier (poesia)

"A Eterna Ausente", de Norberto Seródio Boechat (crônica)

"No túmulo de meu pai", de Ayrthon Borges Seródio (poesia)


ROMEU COUTO








HISTÓRIA DA RUA FORMOSA

                                                                                                     Romeu Couto


Aquela rua era muito feia. Nem merecia o nome de rua. Se a chamassem simplesmente de caminho, ela ficaria muito satisfeita. Mas o povo deu-lhe o título injusto de Rua Formosa. E pegou. Uma casa aqui, outra acolá, cada uma procurando fugir da vizinha mais próxima. Quando se ouviam os passos lépidos de um animal, ninguém ligava, era o seu Joaquim que chegava na mula "Baiana". Mas quando passava um carro de bois, gemendo sob o peso da carga imensa, todo o mundo acorria à janela. E a garotada pulava para a rua, trepando na tora puxada pelo enorme cordão de bois, ou corria para o carreiro, pedindo-lhe uma cana daquelas que lotavam o carro: "Me dá uma, me dá uma!" À noite, a Rua Formosa ficava mais feia ainda. E triste, também. Muito triste. Nem um violãozinho para perturbar o sono daquela gente. Só as lâmpadas acesas, bem no alto dos postes escassos, davam sinal de vida. Até mesmo o coaxar dos sapos, lá nos pastos distantes, era quase imperceptível. Uma tarde, uma tardinha só, aquela rua ficou mais colorida e movimentada. Toda a gente da Rua Formosa se reuniu. E os meninos limpinhos, empunhando coloridos feixes de flores, desfilavam compassadamente, ao som lerdo do sino distante. Lá bem atrás, onde tantas mamães choravam tanto, vinha um caixãozinho azul, feito às pressas, carregado pelo seu Joaquim e mais três companheiros. E aí, deitado no ataúde minúsculo, era transportado o Julinho, que tantas vezes gritara para o dono do carro, implorando-lhe uma cana: "Me dá uma, Me dá uma!" Também quem mandou o peralta ser assim tão tolo? Tomando banho no riacho escuro, onde sua mãezinha lavava roupa e limpava panelas, dera um mergulho bonito e se esquecera de voltar. Mas, amanhã, a Rua Formosa ficará triste, muito triste, outra vez. O seu Joaquim voltará para casa cavalgando a "Baiana". Quando, porém, passar um carro de bois, abarrotado de canas, a garotada não pulará mais para a rua. Ficará em casa, caladinha, em homenagem ao companheiro desaparecido. E os sapos continuarão a coaxar, lá nos brejos longínquos, quase imperceptivelmente.





Outubro de 1936
páginas 57/58

ATHOS FERNANDES






PADRE MELLO




Athos Fernandes




O que vos poderei dizer do Padre Mello? 
Certo que o conheci e com orgulho o digo, 
pois dele recebi muito conselho amigo, 
naquele jeito seu, cativante e singelo.



Recém-chegado aqui, trazia então comigo 
no jovem coração ardente o nobre anelo 
Queria ser poeta e erguer um templo ao belo 
e ao sólio protetor vinha pedir abrigo.



Recebeu-me o velho, o sacerdote-artista. 
Poliu meu estro inculto,abriu-me da alma a vista 
em novas dimensões na língua portuguesa...



Pela vida exemplar do vigário e do esteta, 
não sei qual o maior: se o padre, se o poeta, 
entre os cultas a Deus e os cultos à beleza.

página 93



  OCTACÍLIO DE AQUINO



 





A LIÇÃO DE ULISSES 


                    Octacílio de Aquino 
       Recordemos a admirável página de Eça, uma das mais de ouro entre os seus Contos.
        Encontrava-se havia mais de sete anos, Ulisses, "o mais sutil dos homens", entre as magnificências de Ogigia, entregue à hospitalidade doce da ninfa Calipso, deusa e amante. Nada lhe faltava ali, onde tudo era deslumbramento e placidez, fartura e imortalidade certa.
    Seus pensamentos, no entanto, voavam para Ítaca, onde havia deixado esposa e filho.
    Uma tarde, ao cabo de uma dessas saudades longas em que, dia por dia, mergulhava o inconsolável guerreiro, desce à ilha encantadora, que o acolhera - após o naufrágio de sua grande nau, de proa rubra-, um deus, que o procurava. E o deus transmitiu a Calipso a decisão de Júpiter: deixasse voltar à pátria Ulisses o guerreador de Tróia.
      A deusa obedeceu. Não podia senão obedecer. Mas, obedecendo, ainda insistia prometendo a Ulisses, para que ficasse, as armas extraordinárias que Vulcano mandaria especialmente forjar no ....
      - Armas?- replicava o herói. Mas de que servem armas quando não há combates?
   E, permitida a viagem de regresso, Ulisses derrubou essas árvores para uma jangada. E construiu a jangada. E pegou o instante da partida. Nunca - descreve o artista moroso - "nunca a ilha resplandecera com uma beleza tão serena, entre um mar tão azul, sob um céu tão macio". É, em meio a todo esse espetáculo de alegria e de suavidade, "tantos eram os frutos nos vergéis, e as espigas nas messes, que a ilha parecia ceder, afundada no mar, sob o peso da sua abundância!" Embora! O navegador ousado partiria mesmo...
     A deusa, então, lançou ao herói o derradeiro e mais comovente apelo. Se lhe não fosse a esposa, a terna e tão lembrada Penélope, se não fosse o filho, o jovem e tão lembrado Telêmaco, ainda assim deixaria ele a ilha maravilhosa?
    Sim, ainda assim Ulisses regressaria a Ítaca. Porque precisamente o que o fatigava em Ogigia era a perfeição extrema.
   "Considera ó deusa, que na tua ilha nunca encontrei um charco; um tronco apodrecido; a carcassa dum bicho morto e coberto de moscas Zumbidoras. Ó deusa, há oito anos, oito anos terríveis, estou privado de ver o trabalho, o esforço, a luta e o sofrimento..."
      Ah! que vontade, para o mortal glorioso, farto da paz Imensa da ilha sem defeitos, que vontade de "encontrar um corpo arquejante sob um fardo; dois bois fumegantes puxando um arado; homens que se injuriem na passagem de uma ponte; os braços suplicantes duma mãe que chora; um coxo, sobre a sua muleta, mendigando à porta das vilas!..."
   E subia, torturadamente, o tom de seus queixumes. "Deusa, há oito anos que não olho para uma sepultura... Não Fosso mais com esta serenidade sublime! Toda a minha alma arde no desejo do que se deforma, e se suja, e se espedaça, e se corrompe..." Em Ítaca ele encontraria a fome e o desespero, o quadro triste da ignoralidade e da opressão, e, ao lado do poema incomparável da vida, quando há esse poema, toda a infinita amargura da torpeza humana...
     Partia, enfim. Beijando-o, no minuto extremo, Calipso:
    " - Quantos males te esperam ó desgraçado! Antes ficasses, para toda a imortalidade, na minha ilha perfeita, entre os meus braços perfeitos"...
    Já Ulisses, porém, de pé no dorso da jangada, cortava as primeiras ondas do mar em que se espelhava o céu, voltando, assim, deliberadamente, "para os trabalhos, para as tormentas, para as misérias - para a delícia das coisas imperfeitas"...
     E era isso, a desigualdade e o erro, era isso, a violência flagrante dos contrastes, isso, a mentira e as iniquidades dos homens e da sorte, mas isso que lhe desafiava o ideal de contribuir, lutando, pela verdade e pelo bem comum, era isso o que o seduzia na desditosa terra de seu berço, mas, também na terra que era tudo para o seu coração sonhador e de guerreiro...
  Cada homem, dos que se formaram irresistivelmente para a luta franca, não reproduz, no quadro eterno as ambições e dos interesses, as ânsias e a atitude final do velho Ulisses?
                                                      Março de 1944
páginas 42/44

PADRE MELLO







FLOR DE LUZ


   Padre Mello
 
Há uma flor que desponta
De noite, na escuridão,
Uma flor que assim que nasce
Logo é flor sem ser botão

Flor que metálico fio
Em um momento produz,
Flor que o tato não encontra,
Flor do é ter, flor da luz.

Por pétalas tem mil raios,
Por seiva a eletricidade,
Por colora a chama viva,
Por perfume a claridade.

Flor que à noite a lua inveja
E que o sol invejaria
Se por ventura em seu trono
Pudesse vê-la de dia.

Mas nasce quando sol morre
E morre quando o sol nasce,
E se ressurge de dia
E onde o sol não transpasse

Vós que viveis nas montanhas,
Quereis a glória da luz?
Vinde passear à noite
Nas ruas de Bom Jesus.

página 272



DELTON DE MATTOS








Uma recomendação de Octacílio de Aquino



Delton de Mattos



     Ao mudar-me para São Paulo, em março de 1947, embora estivesse politicamente em posição antagônica à União Democrática Nacional (UDN) bonjesuense, a que pertencia Octacílio de Aquino, não tive dúvida em procurá-lo para despedir-me, pois minha admiração e respeito pela sua personalidade cultural pairavam acima de quaisquer eventuais divergências de ordem política. Pediu-me ele, naquela oportunidade, que fizesse o possível de entrar em contato com o escritor Monteiro Lobato, de quem era profundo admirador, já tendo mesmo escrito em A Voz do Povo sobre a sua obra "Urupês". 


     Inicialmente, tal aproximação parecia impossível, pois não podia imaginar de que maneira um obscuro e desconhecido bonjesuense, que ainda não tinha sequer iniciado os estudos do segundo grau, poderia ter a oportunidade de tão ousada aventura. 


     Mas na verdade, fazia eu tabula rasa de tudo que poderia acontecer na vida daquela grande metrópole e do poder aglutinador das suas realizações culturais, que sempre estiveram à disposição de qualquer forasteiro. Como tinha chegado em São Paulo depois de encerradas as matrículas no segundo grau, passei a freqüentar, desde o primeiro dia, a imensa biblioteca Mário de Andrade, que ficava à disposição do público nos sete dias da semana, isto até altas horas da noite, sem falar das constantes palestras literárias que se realizavam no seu majestoso auditório. Mas além disso, essa biblioteca era o principal ponto de encontro dos intelectuais de São Paulo e não demorou para que eu conhecesse ali, a romancista Rosália Simonian que era amiga de Monteiro Lobato e logo me levou à sua presença no apartamento em que ele residia ali bem perto. 


     Dessa maneira, foi surpreendentemente fácil cumprir a recomendação de Octacílio de Aquino, que entretanto, na sua proverbial modéstia, já tinha recebido do consagrado autor de "Urupês" palavras elogiosas, e até de agradecimento sobre apreciação crítica da sua citada obra.

Recentemente, chegou às minhas mãos, cópia de uma pequena carta escrita por Monteiro Lobato em 5.10.1943, dirigida ao seu amigo Bruno de Martino, então jornalista em Miracema (outra surpresa!), nos seguintes termos: "Em mãos sua carta de 29 setembro e o número de "A Voz do Povo", em que vem o seu nobre devaneio filosófico "Concepção Gratuita", que li com o prazer que me causam todas as coisas pensadas, e também o belo artigo de Octacílio de Aquino a meu respeito. Muita coisa vem aparecendo sobre o meu livro URUPÊS neste tempo de suas bodas de prata, mas o artigo de Octacílio de Aquino é dos que mais dizem e mais penetrantemente. Peço transmitir a ele o meu abraço de agradecimento. E vão aqui esses retratos, a única lembrança que posso mandar destes distintos amigos. Com a maior cordialidade, Monteiro Lobato". Bruno de Martino, que nos deixou o romance "Saias de Bronze", enviou cópia dessa carta ao seu amigo bonjesuense, com a seguinte observação: "Este é o meu presente de Natal e de Ano-Bom! Fraternalmente do seu Bruno de Martino". 


     Em maio de 1949, republicava eu na revista Alliance, de São Paulo, um artigo de Octacílio de Aquino, sob a forma de "carta" e que constitui um belo resumo já escrito a respeito da vida e obra de Monteiro Lobato. Esse artigo reaparecerá em breve no 4o volume da coleção "Série Literatura Bonjesuense". É só esperar.



11 de julho de 2004







ELCIO XAVIER




ABANDONO


                                     Elcio Xavier


Ah! que ânsia de ser rio ou cais,

de atingir num suspiro o voo

dos seres alvos de minha imaginação!

Que desejo de ver e abordar

nos meus sentimentos a rosa

ou as caravelas de outros mares

transportando ocasos de Maio!

Por que, ó ondas líquidas de nuvens

que transitai pelos meus olhos,

não trazeis ao meu corpo vossa alegria?

E vós, véus de seres distantes,

por que não vindes agitar com vossa cor

a superfície impenetrável de minhas margens?

A luz vinte vezes substituiu a Noite,

Canções distantes assolaram meu ouvido

no frio de eras remotas,

rochas incendiaram ninhos no ar,

e eu aqui ainda estou abandonado!

página 59
 

NORBERTO SERÓDIO BOECHAT





A ETERNA AUSENTE

             Norberto Seródio Boechat



     Década de 50.
     Oito anos.     
     Estrada Bom Jesus - Vargem Alegre.
     Ao voltarmos da cidade, lá estava a menina na cerca de sua casa, à espera. Diminuíamos a velocidade para vê-la, infalível, pendurada no cercado do quintal. Segurava-se com a mão direita e acenava a esquerda.
  Loura e branquinha. Muito bonita. Impossível saber de onde vieram as marcas arianas na garota pobre do barraco beirando a estrada. Não entendo, também, por que em nenhum momento paramos, por que não correspondemos num gesto o amor transmitido ao acenar. Creio que em seu reduzido universo, a busca do momento a impregnava, tornando-a parte de outras vidas, outras pessoas, do mundo que, então, se desfilava na via solitária. Ansiava, talvez, por um afeto, um toque junto ao coração.
   É provável fosse filha única. Nunca vimos outra criança ao redor. O que teria sido sua vida entre adultos? Que mundo encerraria o interior da cabana? Como os pais estariam contribuindo para o crescimento do ser que fazia daquele instante breve de nossa passagem a eleição de um acontecimento? Ao respondermos com as mãos, ela sorria feliz. Passávamos e, ao olharmos para trás, ainda a víamos acenando no meio da poeira deixada pelo jipe.
  Hoje, passada tanta vida — e tão rapidamente —, pergunto--me, onde estará? Casou-se? Teve filhos? Foi feliz? Tem um quintal cheio de netos? Morreu? Indagações que no vácuo desse tempo consumido apertam a garganta, deixam aberta a inútil expectativa de um vir a saber que não acontecerá... É a resposta que se espera, mas que jamais virá...
    Há muito a casa não existe mais. A estrada, asfaltada e, por isso mesmo, inexpressiva de lembranças, é uma reta que matou velhas curvas do caminho. A menina foi-se tal qual o pó, tal qual aquela nuvem de poeira que termina por sobrepor-se às cercas, cobrindo-as de amarelão pálido, triste, aguardando que a chuva venha e lave tudo.
    Não tenho dúvida: a garotinha foi a primeira mulher de minha vida. Tão absoluta que decididamente inesquecível. Definitiva. Jamais a tive. Nunca paramos para que eu me permitisse o contato de gente. 

   Assim, porque não a tive, sempre será indelével imagem, a eterna ausente: mão movendo-se avidamente como a dizer, por que não parou? Passou e não ficou para pacificar-me a vida. 

páginas 17/18




AYRTHON BORGES SERÓDIO






Dr. Ayrthon Borges Seródio revolucionou as letras bonjesuenses
  
 












No túmulo de meu pai

Ayrthon Borges Seródio
 



Roubado cedo ainda, em hora imprópria à vida 

Qual ave na procela arrebatada ao ninho,

Partiu meu pai deixando em seu caminho 
A mágoa sem remédio, e a queixa mais dorida.



Qual árvore frondosa, a muitos deu guarida,
E um amigo jamais deixou sofrer sozinho.
Honesto, humilde e bom, e farto de carinho,
Um exemplo a seguir em meio a nossa lida.


Cumprindo um ritual, desejo mortuário,
Como da vez passada eu volto ao sepulcrário,
Uma ilha de paz onde impera a igualdade.


Contrito na mudez e presa da amargura,
Vejo através da campa, em sua sepultura,
Um punhado de cinza... E uma eterna saudade!...






Vejam algumas fotos da noite histórica












Ederaldo do Carmos




Iantes Mattos, esposa de Delton de Mattos









Prefeita Branca Motta, Magistrado Dr. Luiz Alberto Nunes da Silva, Desembargador Dr. Antonio Izaias



Dra. Nísia Campos



Maria Izabel Monteiro Nunes



Dra. Suzanyh Péres Veniali



Dr. Sebastião Freire Rodrigues










Dr. Luiz Alberto Nunes da Silva




Amigo Chefe

                                Dr. Luiz Alberto Nunes da Silva

Tive a honra de conhecer e partilhar um pouco da vida de Athos Fernandes e de meu primo Delton de Matttos. Mas, de outro lado, não conheci Padre Mello, Romeu Couto, tampouco Octacílio de Aquino.

Sobre Octacílio de Aquino, recebi a importante missão de, nessa memorável noite de evento cultural, falar-vos sobre a vida deste ilustre bonjesusense, Advogado, Promotor de Justiça em São José do Calçado, no Estado do Espírito Santo.

Nasceu em 07 de dezembro de 1900, e faleceu em 14 de junho de 1959, em Niterói.

Em 1939, quando Bom Jesus era ainda termo judiciário, foi nomeado pretor substituto. Foi, ainda, Juiz de Direito Substituto nesta Comarca (uma vez nomeado em 27 de março de 1948). Brilhante escritor e poeta bissexto.

A função de Juiz de Direito foi exercida, com pequenas interrupções, até o seu falecimento.

Permitam-me, por favor, de dirigir a todos que aqui estão – chamando-os simplesmente de: “amigo chefe”. Inclusive não usando o plural. Isso tem um significado profundo, porque era assim, simplesmente, como Octacílio de Aquino, de forma muito carinhosa e leve, se dirigia às pessoas. E, dessa maneira, me foi passado pelas pessoas que o conheceu. Foi como também ouvi várias vezes pelos corredores do fórum desta Comarca, aliás, local, onde frequento e visito há décadas, ora como Serventuário, ora com Advogado, ora como Magistrado.

Amigo Chefe”: Romeu Couto, hoje também aqui homenageado, a seu respeito dizia: “Poeta bissexto, rigorosamente bissexto, é o meu amigo Octacílio de Aquino, o qual filha mais amoroso que nós outros, continuou em Bom Jesus, sem ter tido a necessária capacidade de – abro aspas – “ingratidão” – fecho aspas – para abandonar a comum terra”. 

Homem solteiro dedicava-se profundamente aos estudos e às atividades literárias. Escreveu e publicou um livro intitulado “Antes da Revolução” e, segundo sabemos, estava empenhada na confecção de um Dicionário Analógico, obra essa que, lamentavelmente, não concluiu.

Além dessas preciosas informações, poderíamos acrescentar que Octacílio de Aquino foi orador brilhante, pertenceu durante vários anos à Loja Maçônica Moreira Guimarães Terceira de Bom Jesus, tendo participado dos embates políticos mais importantes da nossa região e também de inúmeras apresentações culturais em Bom Jesus e Municípios vizinhos. Devendo-se, ainda, ressaltar o seu grande interesse pela literatura, especialmente pelas obras dos grandes autores brasileiros.

Octacílio de Aquino entrou para o mundo das letras muito cedo, por volta de 1914, quando esboçou seus primeiros sonetos para o primeiro jornal desta cidade de nome Itabapoana. Escreveu, ainda, para os jornais: A Paroquia (Parochia), A Cidade, Bom Jesus Jornal, O Momento, O Norte Fluminense e depois, A Voz do Povo.

Embora não tenha casado, teve lá seus amores, notadamente um linda jovem, irmã de um antigo e conhecido farmacêutico de Bom Jesus do Norte.

Em homenagem às suas musas, certa vez, escreveu:


Começou por querer matá-la”. A mão.

Preme, brandindo o gládio protetor.

Mas, de subido, hesita e, num torpor,

“Deixar rolar o gládio pelo chão”.


E finalizou:


“Tenho direito de chorar por ele”!

Exclama. E aproximando-se, divina,

Beijando os lábios de Tristão, morreu...

(conforme consta de seu primoroso poema ISOLDA, procurando descrever o amor fenecido com a morte de Tristão).


Amigo Chefe,


Nesse momento de reflexão sobre um pouco da vida de Octacílio de Aquino, devo-vos confessar que após a “intimação” do Doutor Sebastião Rodrigues para essa importante missão – fiquei apreensivo. O que vou fazer, amigo chefe?

LEMBREI-ME do Desembargador Antonio Izaías da Costa Abreu, também notável homem de letras, bonjesuense como Octacílio.

Izaías é o Titular da Cadeira número 07, da Academia Bonjesuense de Letra, da qual o patrono é o próprio Amigo Chefe, valer dizer, o poeta Octacílio de Aquino. E dele me vali. Aliás, um socorro de imediato, sem empecilho. Isto é, fui prontamente atendido.

Ainda com o beneplácito da Doutora Nísia Campos, mestre e poetisa de renome, ilustre Presidente do ILA desta cidade, franqueou-me a famosa pasta ‘verde’, dita por Antônio Izaías, mas que na verdade é de cor ‘azul’, aliás, como o céu, o céu de esplendor, pelo seu magnífico conteúdo. Ali se encontra, verdadeiramente, a biografia cuidadosa, lapidada, de Octacílio de Aquino, na qual pude pincelar os trechos acima.

 À Doutora Nísia, meus agradecimentos pela gentileza. Ao Desembargador  Izaías, minha enorme gratidão, porque valeu apena.

Senhores,

Antes de encerrar, desejo, por justiça, fazer um pequeno relato. Octacílio de Aquino morreu pobre. Ficou doente. Era muito amigo de Roberto Silveira, então governador deste Estado.Roberto, sabedor da doença do amigo e de suas condições não só financeira, mas também de saúde, levou-o para se tratar em Niterói, então capital do nosso Estado, onde, diante da gravidade de sua enfermidade, veio a falecer. Mas cercado de todo carinho, aparato médico e hospitalar, aliás, como me foi passado. Graças a intervenção direta do Governador Roberto Silveira.

Prossigo.

Doutor Luciano Bastos, ainda era vivo. Fui procurado por ele e pelo doutor Sebastião Rodrigues. Iniciamos um movimento que, aliás, logo de pronto, a ele aderiam:  Antonio Izaias, o doutor Michel Saad, de Niterói,  a senhora Prefeita de Bom Jesus e o Presidente do Rotary local. Era nossa intenção trazer os restos mortais de Octacílio de Aquino para Bom Jesus.

De início, houve um degrau a ser ultrapassado: por exigência, aliás,  legal, da Prefeitura de Niterói: um parente de Otacílio tinha que autorizar o translado. O que é mais do que compreensível. Os integrantes desse projeto, então, começaram a se mover nesse sentido.

Porém, o movimento sofreu um profundo abalo. Perdemos o Historiador e Doutor Luciano Augusto Bastos. Com isso, o grupo passou a  vivenciar o impacto da morte de Luciano. E de minha parte, mais uma vez, confesso e registro: houve, por isso, um sentimento semelhante a uma nau que, ainda, não achou seu rumo certo...

Mas vamos, se DEUS quiser, concluir esse projeto, isto é, de ter de novo o Amigo Chefe, o Otacílio de Aquino, entre nós.

Muito Obrigado!   


Dr. Luiz Alberto Nunes da Silva é magistrado da Comarca de Bom Jesus do Itabapoana

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