segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Inesquecível Papai Noel

Ana Maria Silveira


        

    Nossos natais eram comemorados em Resende-RJ, na casa do meu avô materno. A família era enorme, a maioria de ítalo-descendentes, alegres e expansivos. Às oito da noite começavam a chegar. Todos falavam muito alto, gesticulavam e se cumprimentavam com enorme emoção. As comidas tradicionais natalinas seriam servidas à meia-noite, mas petiscos, frutas e vinhos já começavam a serem degustados, acompanhados de músicas, danças e cantorias ao som de doces harmônicas.

    Nós, crianças, ficávamos na expectativa do Papai Noel, que todo ano aparecia, com a sacola de presentes e conselhos para sermos sempre bonzinhos e estudiosos.

    Ficávamos intrigados: por que num ano o Papai Noel era gordo e baixinho, no outro era magro e alto e assim por diante?  Minha mãe tentava nos convencer de que era um só, de que estávamos enganados.  

Meu pai tinha uma fantasia do Velhinho, trancada a sete chaves durante o ano, para que não descobríssemos a real história. Nas noites de Natal ele se vestia de vermelho e fazia a entrega dos brinquedos na casa de um amigo. Logo após, este amigo usava a mesma vestimenta e iam para a casa do meu avô repetir a encenação.

    Quando anunciavam a chegada do Papai Noel meu coração disparava. Os adultos corriam e o cercavam gritando, batendo palmas, chamando seu nome, cantando músicas natalinas. Alguém tocava uns sinos acompanhando as pequenas harmônicas durante o trajeto, que saía sempre da casa dos meus pais (que ficava mais ao alto) à casa dos meus avós, ligadas por duas escadarias, nos fundos das casas. Outros vinham com lanternas de velas enfeitadas, iluminando o escuro trajeto. 

    Presentes entregues, desta vez o Papai Noel não foi embora. Sentou-se à farta mesa e acompanhou os adultos nas canções, nas comidas e nos vinhos. Muito vinho! Quanto mais bebiam, mais cantavam. Eram canções em português ou em italiano. Um grupo começava, outro intercalava. Cantavam em duas, três vozes, belissimamente. Eu gostava muito da "BELLA CIAO", canção que se tornou o símbolo da resistência italiana na Segunda Guerra. Bonita e delicada era a que cantavam com mais entusiasmo. Alguns dos meus tios presentes, participaram da Resistência. Foram "partigiani"; ideologicamente eram anarquistas. As mulheres, muito católicas, se horrorizavam, gritavam e protestavam quando eles cantavam: 


 
“ Amezzanotte
Cielostellato
                                       Il Santo Padre
Saràimpiccato!"
 
    O Papai Noel ria, ria... Ria muito de tudo.
    Quando foi embora, saiu pela porta da frente, atraves-
sou o varandão acompanhado por todos até a escadaria,
maior e mais larga que as duas do fundo da casa, bem iluminada.
    De repente os gritos de "tchau Papai Noel!" mudaram de tom,
passaram a gritos de horror.
    Ouvi minha mãe:
- Acode, Badger
    Outra voz se fez ouvir:
- Escondam as crianças!
    Imediatamente um cordão de braços e mãos foi empurrando os menores para trás, para que não perdêssemos o encantamento com o Papai Noel.
    Consegui me esquivar, deslizando por baixo de pernas, saias e vasos de plantas. Conquistei uma posição pouco estratégica, que não me oferecia uma visão panorâmica do que estava acontecendo, mas concluí, apreensiva, que o Papai Noel rolava a escadaria. A cada "AAH... OOH!" da pequena multidão aglomerada, eu via nitidamente voando: uma barba branca, um gorro vermelho, polainas pretas e no final da escada a enorme sacola vazia do agora avariado grande amigo Oswaldo.
    Guardei esta descoberta por muitos anos, para não desapontar meus pais. Preparavam tudo com muito apego e carinho. Legaram-nos preciosas recordações.


 

 29/11/2015
 
 
Ana Maria Silveira é filha do ex-govenador Badger Silveira

 
 
 









 


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